Muitos equipamentos produzidos para os bebês revelam ideias equivocadas e tendenciosas, criando um universo ilusório e apelativo ao redor do desenvolvimento e das necessidades dos bebês.
- A primeira ideia é de que é necessário ensinar um bebê a sentar, parar ou andar, estimulando-o e controlando-o com exercícios dirigidos, intervenções diretas e equipamentos complexos e tecnológicos. Ou seja, um bebê é apenas um sujeito de reação, desprovido de emoções, iniciativa e inteligência para fazer escolhas sobre pequenas ações do seu cotidiano.
- É também, senso comum, implícito no pensamento competitivo da modernidade, a ideia de “quanto antes melhor”, ou seja, bebês que sentam precocemente e andam mais cedo tornam-se mais espertos, inteligentes, independentes e bem sucedidos.
- A promessa de que, com o auxílio dos equipamentos o adulto poderá oferecer cuidados de qualidade e ainda aproveitar melhor o tempo livre para fazer outras coisas que deseja, uma vez que a criança está segura, quieta e distraída.
Onde está o equívoco? Será que estes aparatos são realmente benéficos e necessários? O que realmente um bebê precisa para crescer e se desenvolver com saúde física, psíquica e inteligência?
Alguns pediatras vem alertando para as consequências do longo tempo de permanência dos bebês em cadeirinhas, carrinhos, tapetes sensoriais e outros equipamentos de contenção e distração, como:
- Contração intensa na musculatura do pescoço e outros grupos musculares
- Alterações do campo de visão
- Alterações na coordenação motora
- Atrofias musculares e redução de força
- Lentidão cognitiva
- Aumento do peso ou redução do apetite
- Inchaço dos pés
- Fragilidade de apego com seus cuidadores
- Passividade e dependência excessiva do adulto para brincar e alcançar objetos
Os prejuízos ainda são maiores do que os benefícios apontados pelos fabricantes, como podemos constatar, mais adiante, nas frases enganosas propagandeadas para cada equipamento. A falta de mobilidade e os cuidados impessoais impactam diretamente na saúde e no desenvolvimento físico e psíquico da criança.
O investimento afetivo, o diálogo tônico corporal, a voz, os ajustes mútuos e a compreensão que o adulto obtém da criança ao tocá-la, observá-la e ao trocar olhares, são transformados em controle dos movimentos (seu bebe não sairá engatinhando pela casa!) e em tarefas mecânicas independentes das relações humanas estabelecidas. Vínculos fragilizados, relações distantes, autoritárias e submissas nascem neste contexto. Imobilizados e passivos os bebês aprendem que precisam chorar para receber atenção, brinquedos, mudar de posição ou sair da cadeirinha.
Assim, após este modo impessoal de cuidar do bebê, vende-se a ideia de que ele precisa de algo para distrair-se e de estímulos diferenciados para alcançar conquistas naturais como sentar, engatinhar, ficar em pé e andar. Estressado, e com torcicolo, precisa de uma banheira de hidromassagens para relaxar.
A Pediatra húngara Emmi Pikler, cujo trabalho vem sendo difundido intensamente, já na década de 45, nos apontava para a importância do movimento livre e dos cuidados respeitosos e individualizados para o desenvolvimento da criança. É o que vamos tentar ilustrar com as imagens da Lorena, uma bebê que foi observada dos 5 aos 11 meses, durante o ano de 2017, em um berçário de São Paulo, inspirado em algumas ideias da Abordagem Pikler.
Nesta imagens Lorena está com 9 meses, podemos ver como ela se envolve por inteiro na direção das suas conquistas e sua atenção está plena e focada. Seu prazer está na liberdade de mover-se na direção dos desejos e objetivos. Seu corpo todo participa da sua atividade autônoma. Ela coordena braços, pés, mãos e olhares. Até a ponta dos dedos participam das suas buscas e da resolução dos desafios com os quais se depara para realizar sua tarefa.
Observação da Lorena, 9 meses
As imagens desta sequência de posts foram baseadas em fotografias da bebê Lorena, que na época estava com 9 meses.
Os desenhos são da querida Teresa Maita, que com o seu talento vem tornando possível compartilharmos belamente alguns dos nossos estudos sobre o desenvolvimentos dos bebês (claro, não teve saída, a Teresa foi convidada a estudar comigo para se manter fiel aos detalhes. Fez isto com maestria!).
Estudando juntas apuramos o olhar, aprendemos a enxergar detalhes e a priorizar dobrinhas e até um dedão do pé para representar e comunicar fielmente o observado e analisado.
Imagem 1 • Lorena está deitada no chão, com as costas apoiadas sobre o piso firme. Ao seu redor tinham alguns objetos pequenos. Após fita-los, Lorena fixa seu olhar em um bichinho. Seu corpo todo se volta para ele: o pescoço, o joelho levemente flexionado e um braço. Juntos “trabalham” para ela alcançar seu objetivo. Quando observamos seu corpo todo em movimento podemos compreender o que desperta o seu interesse e os desafios que enfrenta para alcançar o que quer.
Imagem 2 • Lorena está com outro objeto próximo que ela alcançou. Coloca-o na boca, relaxa um pouco. Ainda estabelece contato com o ratinho pela qual havia se interessado primeiramente. Com a perna esticada e a ponta do pé mantém seu foco de atenção.
Imagem 3 • Lorena equilibra-se lateralmente, segura o objeto alcançado com as duas mãos enquanto olha para ele. Até a ponta dos dedos dos pés participam desta cena harmônica e da posterior virada que ela dá, colocando-se de barriga para baixo.
Imagem 4 • Lorena olha atentamente o ratinho que desejava, agora mais próxima dele. Nas cenas seguintes, que não estão expostas nesta sequência, ela brinca com o ratinho, gira com ele repetidas vezes, pega novamente o primeiro objeto alcançado e com um cada mão, repete alguns movimentos e viradas realizadas anteriormente, desfrutando da atividade e brincadeira com segurança e autonomia. Está no chão, com materiais previamente selecionados e disponibilizados, livre para mover-se e para escolher o que quer fazer. Pode ficar assim, pois está confortável em seu espaço, com suas roupas adequados, confiante e satisfeita em relação ao ambiente afetivo e aos cuidados pessoais que recebeu do adulto na hora das trocas, do banho, sono e alimentação.
Reflexões
Supomos que sentada em uma cadeirinha, sempre estimulada e direcionada pelo adulto, seus movimentos não poderiam fluir na direção de suas conquistas, tal qual Lorena nos revela em seu semblante feliz e tranquilo nas imagens do seu cotidiano. Quando está em um ambiente adequado, a criança pode experimentar e avaliar seus movimentos. Ela reconhece competências e limites e não sente medo de cair. Quando é respeitada em seu tempo e maturidade, adquire confiança e equilíbrio nas novas posturas passando por todas as etapas do desenvolvimento motor.
Ao contrário do que está disseminado nas frases de impacto para venda de aparatos para primeira infância, Lorena nos revela as inúmeras aptidões que um bebê pode adquirir por ele mesmo, quando está em um ambiente simples, porém adequado.
Cuidados ternos e personalizados e vínculos estáveis, são as bases de um desenvolvimento saudável e integral. Quando o bebe tem espaço para brincar, está na presença de um adulto de referência, sem a sua intervenção direta, ou de mecanismos artificiais de contenção; em chão firme, com objetos de seu interesse ao redor, o bebê pode permanecer envolvido em suas brincadeiras e viver cada minuto em sua inteireza, sem necessidade frequente de chamar o adulto para alcançar o que deseja ou se acalmar.
De acordo com Emmi Pikler “É importante não contrariar esse processo interferindo ou expondo o bebê a posturas que ele ainda não descobriu sozinho ou que ainda não é capaz de adotar, retirando assim sua alegria de descobrir por si próprio e sentir segurança em suas próprias capacidades”. Segundo Myrtha Chokler adiantar as posturas é adiantar os fracassos.
Aparatos e apelos de mercado
Texto do Produto
Macia, não força a espinha, e o bebê não sai rastejando pela casa. A cadeira de tambor foi projetada para bebês que ainda não conseguem se sentar sozinhos.
Nossa visão
Este equipamento força e tenciona a musculatura lombar e cervical do bebê que ainda não tem seu organismo amadurecido o suficiente para se sustentar sentado. O Bebê não pode se deslocar ou se mover para alcançar por ele mesmo o que deseja e, portanto, precisa chamar um adulto para resolver a questão e atender o seu desejo. Preso nesta anatomia não pode se desvencilhar de algo incomodo ou relaxar de uma postura cansativa.
Texto do Produto
Uma banheira / SPA com bateria que cria bolhas de água turbulentas e calmantes. Ajuda no banho e a esquecer o stress do dia.
Nossa visão
Se um bebê tem seu dia satisfatório e liberdade para se mover na direção de seus interesses, sem estímulos em demasia, porque estressa? Momentos do banho, da troca de fraldas e das refeições são oportunidades únicas fortalecer as relações interpessoais e as interações, principalmente quando o bebê é convidado a participar e colaborar nos cuidados pessoais. O banho, é ocasião especial para aprender a nomear as partes do corpo e desenvolver uma consciência do seu esquema corporal. Brinquedos na água e outras intervenções, podem ser divertidas, mas distraem o bebe durante a tarefa. Já, as brincadeiras iniciadas e praticadas por ele, permitem que se aproprie do seu corpo e acompanhe passo a passo as sensações e cuidados do que vivencia.
Texto do Produto
Tenta reproduzir a suavidade do movimento materno com 5 movimentos diferentes e velocidades programadas … Escolha as músicas do seu MP3 ou iPod, elas podem se conectar diretamente com a cadeira
Nossa visão
Nenhum mecanismo automatizado substitui as interações humanas e a presença do adulto nos cuidados e na constituição psíquica e subjetiva do bebê. Existe uma reciprocidade de emoções que só são transmitidas pelo dialogo tônico corporal, pelo olhar e a conversa pessoa a pessoa. As músicas podem compor o ambiente do sono, mas o que faz com que um bebe adormecer com tranquilidade é um conjunto de variáveis diárias que inclui sua satisfação nas atividades durante a vigília e a confiança de que pode “fechar os olhos” sem medo.
Texto do Produto
Ajude seu filho a alcançar uma variedade de marcos importantes de desenvolvimento. Proporciona ao seu bebê muitos exercícios para pular e girar, fortalecer as pernas, costas e pescoço.
Nossa visão
Quando a criança começa a ficar em pé ela pode buscar apoios na sua altura, mas o equilíbrio para ficar ereta ela adquire localizando a simetria e um eixo central no próprio corpo. Neste tipo de brinquedo a criança tende a se curvar e jogar o peso basicamente sobre os braços. Os brinquedos deste equipamento estão fixos e não podem ser manipulados e transportados. As alternativas combinadas entre manuseio e coordenação cruzada de movimentos são restritas pela imobilidade dos objetos acoplados.
Em um processo mais natural ela se ergue sem apoio, abre os braços, mantém as pernas afastadas e sua coluna está ereta e não curvada. A criança experimenta mudar os pontos de apoio para encontrar oponto ideal de transição, que mais adiante usará para andar.
Tânia Fukelmann Landau
Adulta e brincante, gosta de estudar e escrever. Lê muito e estuda tudo o que diz respeito a infância, criança e educação. Tem se dedicado a formação continuada de educadores e a cuidar de quem cuida. Viveu e ainda vive com pé no chão da escola atuando como professora, coordenadora e assessora pedagógica. É fundadora e diretora da Converso Educação, instituição de curadoria e assessoria pedagógica que inclui uma livraria especializada na área. Formada em pedagogia pela PUC-SP, com especialização em Educação lúdica pelo ISEVEC. Membro atuante da Rede Pikler Brasil.